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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Perfeito

Ainda consigo ouvir as tuas palavras ternas, o sussurrar na tua voz velha e cansada perguntando quem és. Consigo lembrar a brincadeira que completava a minha inocência de criança, um jogo que levava a outro e em cada um, eu aprendia a admirar a tua sabedoria de velho.
A cama ficou vazia, branca, sem um homem cansado mas ainda consigo ter o quente dos lençóis, guardei para mim o teu cheiro para nunca me esquecer, passo no teu quarto, quero ver-te como sempre foste, um herói de criança.

O corredor está vazio, não se ouve passos, não se ouve risos. Se tomar atenção consigo ouvir uma andorinha chilrando, como quem chama o bom dia, o sol está fraco mas corre uma brisa quente que abraça o corpo numa onda de afecto e me deixa amparada, venho cá fora como todos os dias para te falar um pouco ou apenas olhar para ti, deixo a janela aberta de forma a ouvir-te caso hoje decidas falar. Percebo que não o possas fazer, já me fazes tanto. Ontem perguntaram-me que imagem tinha de ti e só me lembrei do meu amor, das nossas brincadeiras mas não sei quem eras, contaram-me que eras um homem reservado mas com um feitio difícil, “tinha de se saber levar”. Não é assim que te vejo, vejo como um bom avô, calmo, que adorava brincar comigo, que me adorava mais que tudo, com uma simplicidade que te caracterizava, na tua forma única de me mostrar amor, trazendo sempre algo para casa, dando doces, com um sorriso de chapeleiro.
Agora sinto-me mais vazia, já não tenho aquele amigo que sabia esboçar sempre um sorriso para mim, não tenho aquele avô que me chamava “tété” esperando que fosse brincar com ele, não tenho o homem que via numa cama e mesmo assim julgava eterno.
Essa é a mais pura das verdades, nunca pensei que chegasses a partir, mesmo deitado e doente, haverias de conhecer os meus filhos, chamar-lhes “tété” dar-lhes amor, dar-me abraços quentes e suaves e um dia quem sabe já eu estaria preparada para te deixar ir. Nunca iria chegar esse dia. Quando não te ia visitar, pensava que não iam faltar oportunidades, quando ia, imaginava-me maior, sozinha contigo no quarto a contar-te novidades. E hoje choro com isto tudo porque nunca me despedi de ti, como conseguis-te ir sem um abraço meu? O que faço para te dizer adeus? Talvez esta seja a solução certa, escrever.
Então digo adeus a todos os abraços, adeus a uma esperança, adeus a um amor, a uma paixão, uma veneração, a um homem que não conheci por completo, ao pai do meu pai, a minha inocência, ao meu companheiro de brincadeira, ao meu avô!

quinta-feira, 28 de maio de 2009

O Homem

tenho medo do tempo, dos dias, dos minutos. Tudo o que passa sem a tua presença.
Não quero deixar de ser a tua menina, a que te dá a mão, pede uma palavra, que chora a cada despedida. Desde a mais pequena idade que cuido do meu amor por ti, hoje não sei o que é não pensar em ti.
Um fado cheio de tristeza eleva-me aos momentos mais doces, um sossego desesperante lembra-me a tua alma, vejo-te então como alguém misterioso, que guarda os segredos do mundo, da vida, que sorte tenho em te poder abraçar. Não quero com toda a certeza deixar de ser tua.
O dia em que te deixei, chorei sem poder crescer, parei nesse preciso momento, olhei para um espelho consolidando frustrações que temia, não esperei esse momento, posso dizer que o temi, ainda o temo, desiludir alguém como tu torna-me incapaz.
Os teus olhos de criança fitam com amor cada movimento meu, tenho a certeza que te amo, venero, que cada pensamento que terei sobre ti será certamente o mais terno de todos. Viajo em segredo à tua infância, que não conheço,imagino que terás sido, um homem desde sempre. Quero conhece-lo, dizer-lhe que terá sempre motivo para rir nos momentos mais cruéis, volto ao presente e abraço o pai que tenho. E espero, espero que esse homem sinta o meu calor, ainda não sou um marco na sua vida mas serei. O mais importante, assim como ele sempre foi na minha.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Para Ana

Um grande quarto,uma cama que para ficar sentadas, duas meninas preparam um balanço no tapete, um armário cheio de jogos, uma varanda onde se constroem mundos inteiros de plástico, onde passam dias inteiros sem olhar para o tempo, bonecos carecas pela mao de uma delas, uma que ainda não sabe, mas que está destinada à grandeza, o mais engraçado é que só ela é que não vê. A outra menina, tenta acompanhar todos os seus movimentos, achando-se muito mais adulta ao fazê-lo.
E enquanto as meninas brincam dentro do quarto, conseguimos ouvir vozes, vozes mais vividas, falam, riem e até brincam de uma forma a ainda incompreendida. durante um jogo, um lanche e uma discussão, o quarto ficou mais pequeno, já ninguém tem de saltar para chegar a cama, os brinquedos estão agora pendurados num móvel, o armário que antes era magico, agora guarda livros.
Uma mulher que ainda é menina tenta agarrar-se à sua felicidade, tenta ser o que sempre foi, inocente, verdadeira, responsável, adulta e infantil. já não corta cabelos, nem mostra a sua cozinha de brincar como se fosse um diamante, agora carrega o mundo. tenta ser tudo o que ainda não pode ser, porque ainda não percebeu. Ainda não. Quando finalmente o fizer, verá que ainda está no mesmo quarto, com esperanças e mundos inventados e a única coisa que poderá fazer, é abrir o armário mágico, que será mágico outra vez, sentar-se na sua varanda e ser feliz, assim, sendo-o.